Os jardins e os livros têm muito em comum. Ambos são formas de arte intimistas e complexamente elaboradas que possuem seu próprio tempo de concepção; há livros que são escritos em poucos meses, outros que levam décadas para terem suas palavras plenamente vertidas, da mesma forma em que há plantas que germinam em semanas e outras que, para nascer, necessitam do espectro de luz específico de certo equinócio de outono. Tanto quem escreve quanto quem cultiva se empenha em um trabalho árduo, por vezes solitário, tendo em mente um vislumbre do que esperam que a obra se torne, além de um público que seja mobilizado por ela. Talvez as mesmas faculdades e sentimentos sejam engajados para conceber uma narrativa ou cobrir o solo de frutos, flores e raízes: atenção aos detalhes, noções de tempo e espaço, escolha minuciosa de componentes, comprometimento com a articulação de sentidos; da mesma forma em que sensações muito similares são despertadas em quem lê uma obra-prima da literatura ou passeia por um frondoso jardim: admiração, espanto, fruição, encantamento, deleite.
Como compreende Karina Jakubowicz, tanto os jardins quanto a literatura podem se constituir em espaços aparentemente independentes do todo, promovendo um refúgio apartado do caos mundano para quem os procura. Contudo, esses mesmos espaços também oferecem um retrato do mundo e são resultado direto deste, por isso o moldam e são moldados por ele, ao mesmo tempo em que oferecem ferramentas para interpretar e refletir sobre a vida, em suas intempéries e belezas. A união dessas duas instâncias, portanto, no entrosamento de palavras e vegetais, parece perfeitamente natural
Dificilmente uma leitora ou leitor, ao ler uma narrativa em prosa, já não se deparou com uma bela descrição de um jardim ou versos nos quais uma florada é exaltada. Toda aquela profusão de cores, formas e perfumes! Todos aqueles nomes que nos fazem querer conhecer mais sobre botânica. A literatura é repleta de vida vegetal, atuando não somente como elemento acessório para a narrativa e para a poética, mas impulsionando e mobilizando a trajetória das personagens ou do eu-lírico.
And so our mothers and grandmothers have, more often than not anonymously, handed on the creative spark, the seed of the flower they themselves never hoped to see; or like a sealed letter they could not plainly read. And perhaps in Africa over two hundred years ago, they sang softly, to the spirits of the night. And perhaps with words they had long forgotten, used to tell us in a voice so old it is like an echo: ‘I made it. You are free to make it too.’ My mother’s garden was full of many colors and so is my own.
– Alice walker
O objetivo deste curso é proporcionar uma incursão literária a estes espaços tão transformadores que constituem os jardins, a fim de promover uma reflexão sobre a influência e o fascínio que o mundo vegetal exerce dentro da literatura. Para tanto, passearemos por alguns dos jardins mais icônicos da literatura e também adentraremos outros menos visitados, em uma jornada antológica por textos de diferentes propósitos e naturezas. Trabalharemos com autores como Jamaica Kincaid, Lewis Carroll, Frances Hodgson Burnett, Zora Neale Hurston, Gloria Anzaldúa, Virginia Woolf e Alice Walker.
O curso livre Jardins literários: uma antologia será oferecido no formato síncrono e on-line. As reuniões acontecerão às segundas-feiras, das 19h às 21h (horário de Brasília), nos dias 05/08, 12/08, 19/08, 26/08 e 02/09 de 2024, via Google Meet.
Os encontros serão gravados e ficarão disponíveis na plataforma. Este conteúdo poderá ser consultado exclusivamente pela turma ao longo de um período de 1 ano [365 dias] a partir da data da inscrição.
Não será possível se inscrever após o início das aulas síncronas.
Raquel Mayne Rodrigues é bióloga e mestra em Ecologia Aplicada pela USP. Atualmente é doutoranda na área de Estudos Literários na UNESP, desenvolvendo sua tese a partir de uma análise ecocrítica de três obras de Toni Morrison.