“Escreverei sobre uma heroína de quem ninguém gostará, a não ser eu”, escreveu Jane Austen sobre Emma Woodhouse. A previsão da autora não se confirmou: Emma é querida não apenas por leitores de Austen, mas também por muitos cinéfilos: de As patricinhas de Beverly Hills à adaptação de Autumn de Wilde, Emma se mostrou apta a conquistar novas gerações em cada nova versão ou releitura do romance de 1815.
Ainda assim, protagonista e romance desafiam. Declarado por Jane Lamont o romance “mais conscientemente inglês” de Jane Austen, qualidade expressa pela protagonista, pela construção dos irmãos Knightley e pela caracterização de Highbury, Emma dialoga de forma sutil com o seu momento. A obra ressalta, sem grande preocupação com as afeições do leitor, as dinâmicas sociais da pequena nobreza rural em suas melhores qualidades e em suas piores mesquinharias. Se Elizabeth Bennet é tudo o que uma boa protagonista deveria ser, com Emma Jane Austen se deu ao luxo de não procurar agradar.
Por sua vez, Mansfield Park, um romance que produz um estudo do caráter a partir das relações dos personagens com seus papéis sociais, além de seus posicionamentos em relação ao discurso em torno dos melhoramentos em grandes propriedades rurais (Duckworth, 1972), também divide opiniões. Se Emma é o romance mais preocupado com as dinâmicas da pequena aldeia rural, Mansfield Park é aquele em que Austen projeta seu olhar para o mundo além da Inglaterra de forma mais categórica: da ansiedade relacionada à conexão entre a casa de campo inglesa e propriedades lucrativas na Antígua baseadas no trabalho de pessoas escravizadas, até a carreira naval de William, o aspecto internacional de Mansfield Park é sinalizado até mesmo pela leitura de Fanny do diário da embaixada de Lord MacCartney na China (1792-4).
Enquanto Emma Woodhouse é a exceção à regra de protagonistas austenianas em precariedade financeira, Fanny Price é sua expressão máxima. Enquanto Emma se debruça sobre a vida rural inglesa, Mansfield Park ressalta contrastes entre cidade e campo, Inglaterra e mundo. Em comum, estes dois romances publicados consecutivamente trazem a capacidade de dividir leitores: Emma foi julgada insensível, Fanny rejeitada por sua falta de tenacidade. Neste curso, nos debruçaremos sobre os dois romances mais polêmicos de Jane Austen para discutir os projetos por trás de cada obra, assim como os diálogos que estas estabelecem com o contexto da autora.
Marcela Santos Brigida elaborou os cursos do ciclo Nação Austeniana no primeiro semestre de 2022. Ela é graduada em Letras – Inglês/Literaturas (UERJ, 2018), mestre em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2020) e doutora em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ, 2022). É professora universitária de literatura inglesa (UERJ), além de ser coordenadora do projeto de extensão Literatura Inglesa Brasil. Possui diversas publicações na área e colaborou com prefácios e posfácios para edições recentes de traduções de clássicos vitorianos.